O RIO MAIOR ESTÁ UM ESGOTO!!! É UMA VERGONHA!!!

Com o devido respeito, fui ao blog MEMÓRIAS DE RIO MAIOR, e aqui transcrevo, na íntegra, o que nele se diz sobre o Rio Maior, o rio que passa por diversas terras ribatejanas e desagua no Tejo.

Rio Maior, sobre cuja situação de poluição já escrevi no meu blog 60emais (http://60emais.wordpress.com). Diz então o Blog MEMÓRIAS DE RIO MAIOR:

Rio Maior é atravessada pelo rio Maior, que deu o nome à localidade (o seu nome deriva de ser o maior entre os três; rio Maior, Ribeira de Alcobertas e Ribeira de Almoster), pese embora actualmente seja um rio com reduzido caudal e leito. Trata-se de um afluente do rio Tejo, mais propriamente da sua margem direita, com 54 km de curso, 26 dos quais só no canal da Vala de Azambuja.

Este rio nasce num pitoresco sítio denominado «Bocas», um grande desfiladeiro que corta a serra a pique, por onde também passa a estrada Santarém-Peniche, situado a Oeste da cidade de Rio Maior. Neste local realiza-se todos os anos o piquenique do Dia de Bom Verão. Consta que em meados do século XIX, ainda no rio Maior, de Inverno ou em tempos de abundância de águas, navegavam barcos, quase todos à vela ou a remo, que se aproximavam do Tejo para mudar as cargas para outros barcos maiores.

Nascente:

Há anos em que as nascentes no verão chegam a secar, e só depois das chuvas, que se infiltram na serra, voltam a rebentar, quase sempre depois de uma forte trovoada.

Deve-se isso, talvez, a oscilações da serra, que fazem abrir as enormes fendas da grande bacia subterrânea nela existente, arrastando primeiro os lodos, e depois as águas que abastecem o rio durante meses.

Recursos:

Quando as águas rebentam trazem sempre grande quantidade de peixe, aparecendo enguias, que são muito saborosas, e barbos de mais dum quilo.

Também o peixe do rio Tejo, designadamente, o sável, sobe o rio Maior, até a Ribeira de São João, e mais não sobe devido aos muitos açudes das azenhas e lagares.

Este rio é essencial para agricultores que têm as suas produções perto das margens do rio, para poderem regar as suas hortas.

O rio actualmente:

As margens do rio Maior são constituídas por sinuosas curvas e cerrada vegetação, formam partes muito engraçadas, onde se pode fazer piqueniques, tomar banho, entre outras coisas fabulosas.

Ultimamente, durante o principio do Verão, o rio seca totalmente, o que dantes raramente se verificava, o rio nos nossos dias, é muito mal aproveitado pela população de Rio Maior, que já nem sequer se dedica em limpar as partes mais conhecidas e históricas do nosso rio, nem sequer dá ideias á nossa Câmara Municipal para que aproveitem as partes mais conhecidas para construir mesas de piquenique, como por exemplo as “bocas”, o “açude” e as “escadinhas”.

A maior parte do rio está poluída pelos esgotos, fábricas e industrias pecuárias que aproveitam para despejar toda a porcaria que desejam para dentro do nosso rio, pois ninguém se preocupa com ele.

Nas Bocas, na 2.ª feira de Pascoela (pela passagem do descanso semanal da 2ª feira para o domingo, realiza-se actualmente no domingo de Pascoela) dia de Bom Verão, realiza-se todos os anos, uma tradicional romaria onde se reúnem centenas de famílias com os seus farnéis e merendas. Os agrupamentos musicais de Rio Maior, costumam praticamente sempre, tocar para as pessoas que ali estão. Actualmente são os Bombeiros de Rio Maior, que organizam esta festa que se tem perdido ao longo dos anos.

Ora,

Neste fim-de-semana passei eu na recta da Ponte de Asseca, entre Santarém e o Vale de Santarém e, já na ponte sobre o rio Maior, pude ver as suas águas bem negras, denunciando claramente a situação de poluição, produzida por explorações pecuárias e indútrias de tomate e pedreiras. Foi-me dito mesmo que, no paúl que pertence (ou pertencia?) à Estação Zootécnica Nacional (Quinta da Fonte Boa) haverá vastas zonas que estão inundadas por dejectos vindos de uma pecuária, a qual deita também esses dejectos, sem tratamento, no rio.

Para quando uma tomada de posição das autarquias que este rio serve? E as populações, que têm a dizer sobre o assunto? E o Ministério do Ambiente? E a Quercus, e outras organizações do mesmo tipo?

Preferem, todos, ter mais um rio poluído, com prejuízo para a saúde das pessoas, perigos para os solos e colheitas, por outro lado aumentando a poluição do Tejo? Ou, um rio limpo, recuperado para a melhoria da vida nas suas margens, todos beneficiando com a preservação desse elemento da natureza da região, que, como se depreende do que se diz no MEMÓRIAS DE RIO MAIOR, seria uma mais valia para todos?

Assim, o rio Maior é um rio doente, a caminho da morte. Mais um? Não pode ser!

A PAPELARIA FERNANDES DA MINHA MEMÓRIA

1957. Fiz exame de admissão. Fiquei bem. Dizia-se assim, ficar bem. Só mais tarde soube que o termo a usar poderia ser outro. Passar. Ou Chumbar. Portanto, ao passar, em Outubro iria entrar para o Ciclo Preparatório. De modo que, tendo ido para Lisboa, nas férias, a minha tia tenha decidido dar-me, entre outros, um presente especial. Ela disse: ficaste bem… mereces um presente especial. E eu fiquei à espera.

Estive lá em casa mais de três semanas. Era num 3º andar, da Praça das Flores. Subíamos, subíamos, uns degraus de madeira velha mas secos e sãos, um corrimão para ajudar na íngreme caminhada, até que aparecia uma porta larga, castanha, um postigo por entre frestas verticais, uma chave a rodar, com um ruído único, que ainda me está cá dentro, algures. Nítido. As chaves umas contra as outras e contra a madeira da porta. E um cheiro a casa velha, com história. E o sorriso da minha tia, por entre as frestas.

A Dona Umbelina vivia lá. Era a dona da casa, de onde só saía uma vez por ano, para ir até à terra, p’rós lados do Fundão. Quinze dias. Ia por causa das frutas e da água, dizia ela. Tirando isso, nunca saía à rua.

A Dona Umbelina alugava uma parte da casa aos meus tios. Então, os meus tios moravam numa parte de casa. Era assim que se dizia – moro numa parte de casa. Um quarto, uma sala virada para a praça, com varanda. Um luxo. E uma parte esconsa, onde eu dormia. Ah, e também nos servíamos da cozinha e da retrete da Dona Umbelina – estava no contrato. 

Com um quarto esconso, uma varanda para a Praça das Flores e uma retrete, sentia-me ali um privilegiado. O banho… o banho era num alguidar enorme, de zinco, com fundo de madeira, que se punha no quarto esconso – era preciso fechar a minha cama, que tinha o colchão assente numa rede de arame grosso.

Então, com tais comodidades e o aliciante do bulício da praça – sobretudo os pregões das peixeiras, pela manhã – a grande excitação estava à volta do tal presente especial. Até que veio o primeiro sábado das minhas férias e a minha tia me disse: hoje vamos ali à papelaria ver uma coisa… 

Subimos pela Marcos Portugal, depois pela Imprensa Nacional, a seguir virámos à esquerda, ao entrarmos na Rua da Escola Politécnica e, aí chegados, perguntei: tia, onde vamos? Vamos ao Rato, disse-me. Eu, que não sabia o que era isso, do Rato, perguntei: mas qual Rato?

Andámos mais uns metros e a minha tia disse: vamos à Papelaria Fernandes… vamos comprar o presente para ti… vais precisar, agora que vais para a nova escola.

Chegámos ao Largo do Rato. Movimento de carros, eléctricos, autocarros. Pessoas nas compras. Um cheiro a fritos. Um cauteleiro a dizer: há horas de sorte. Nós a entrarmos na Papelaria. E eu a dizer, para mim: nunca vi uma coisa assim. 

A minha tia disse ao que ia. O senhor do balcão sorriu para mim e disse: parabéns… então queres um compasso… já vou trazer. A verdade é que eu não tinha dito nada à minha tia sobre aquilo, do compasso. Eu nem sabia o que era um compasso. Nem sabia se iria ser preciso para a escola nova, como acabou por ser. Só que a minha tia, que tinha só a 2ª classe, ouvira dizer que sim, que era preciso…

O senhor trouxe três caixinhas. Eram pretas e sobre o comprido. Forradas por dentro, também a preto. Tinham, numas ranhuras mesmo à medida, umas peças encaixadas, reluzentes. Um espanto… O senhor disse para que serviam as peças e depois mostrou como se montavam.

O senhor foi muito simpático. Aconselhou a minha tia a escolher uma das caixas, e depois fez um embrulho com laço e tudo. Por fim disse: toma rapaz… ainda bem que a tia sabe do que tu precisas para a escola.

O compasso durou muitos anos. Não tantos como a memória da Papelaria Fernandes: da loja, na primeira vez que lá entrei, e da qualidade do atendimento daquele senhor. Memória que se prolongou pela vida fora, sempre que lá voltava, algumas vezes talvez só para recordar esse momento histórico do primeiro compasso…

Nós, cá na família, somos clientes fiéis da Papelaria Fernandes. Ainda não há muito, foi lá que comprei algumas coisas para mim e para os meus netos, inclusive um globo com iluminação interior, para o Miguel. Agora, tempos terríveis, a Fernandes está… mais próxima do fim, dizem as notícias. Ou seja, a empresa, os accionistas, os trabalhadores… perante um futuro doloroso.

Como se chegou aqui? O que não se deveria ter feito e se fez?  O que se poderia ter feito e não se fez? Ou estas perguntas não têm qualquer cabimento?

Segundo diz o administrador, vão-se manter as duas lojas mais simbólicas – a do Rato e a da Rua do Ouro.  

Oxalá. Porém, é grande a perda: para os accionistas, para os trabalhadores, para os clientes. E para o País.

Manuel Sá

NA A25, EM 23 DE AGOSTO DE 2010

A chuva. De súbito, a chuva. Uns pinguitos sem jeito, eu a estender a roupa e, de repente, a chuva. Molha-tolos? Ou algo mais? Estico o braço. Lá ficou o braço esticado, p’ra ver se a coisa era a sério, e nisto a vizinha de baixo a tirar a roupa dela do arame e eu, a concluir, se uma mulher o faz, tu, que não sabes nada desta poda, alinha por ela. Ponto final, tirei a roupa. Ah, e antes tirei o braço.

Visto isso, onde é que está o estendal? Sim, esse de armar na varanda?… Há que tempos que não o usas… está, está… eu sei lá?!… Voltas e mais outras e… ah! na varanda, pois claro. E lá estava. Ao pé de uns sacos. Uns sacos com livros. O costume. Uns livros em fase de rearrumação. Há uns tempos ali, os livros. Portanto, vá de mudar a roupa para o estendal de recurso.

A chuva. Em Agosto. Quando acontece, parece sempre que vem cedo demais. Na aldeia, começava logo a cheirar a vindimas. Umas nuvens, uns calores húmidos, hoje, amanhã e zás, uns pingos a cair. Uns pingos  parvos. Os pingos, a cair a despropósito, e a minha mãe, testa enfernizada, a dizer, p’ra que será isto, só p’ra fazer mal, daqui a nada as uvas a estragarem-se, naturalmente, e o meu pai, espírito de contradição, ou lá o que era, deixa lá, pode ser que engrosse as uvas, dá mais vinho… há-de ser, há-de… isto era a minha mãe a começar uma discussão que durava até… ao fim da vindima. 

A roupa toda no estendal de recurso – é sempre pequeno para uma máquina de roupa, muito mais pequeno se há toalhas de praia a estender – e eu a ligar a televisão. Não sei porquê, mas deu-me p’rali, p’ra ligar o aparelho. Nisto… mortos e feridos na A25. Pois… A25, ou seja, aquilo que era o IP5, que deu no que deu, enquanto não foi A25, mas que ainda não é uma auto-estrada a sério. Nevoeiro. Choques em cadeia. Nevoeiro e chuva têm contributo nos acidentes, dizem na televisão. Mas não só, penso eu.

Não me apetece jantar em casa. Saio. Vou ao restaurante do senhor Manel, digo para comigo. Na praceta, silêncio. Silêncio e os pingos parvos, sem jeito. Olho em volta. Prédios sem luz. Quer dizer, conto os andares, e vejo que um ou outro estão iluminados, mas só em parte.

Prédios tristes. Desabitados? Gente de férias? Estão todos a ver a televisão, os mortos da A25 e… todos os televisores, na casa deles, estão do outro lado dos prédios, de modo que por isso não se vê luz?… Fim de dia triste, este. Lá vou, por entre prédios sem luz. Sem gente. Tristes. Levo as imagens dos acidentes na cabeça.

O senhor Manel diz-me: os filetes já acabaram. Também não queria, pensei, mas não lhe disse. Preferi antes dizer, obrigado. Lá estive. A televisão a debitar informação, informação, os reporteres a cumprir a função deles, muito bem, todos molhados, enquanto isso as câmaras (quem estava por detrás delas, ou quem punha as imagens no ar…) a não resistirem a mostrar corpos, vidas que já foram, e em rodapé: dois dos mortos são crianças.

Há sempre esta coisa de eles entenderem que é bom, ou correcto, ou informação com mais impacto… falarem nas crianças. Na mesa em frente houve logo quem tivesse ficado apanhado pelo destaque e, vai daí: duas crianças, coitadinhas… Podiam ter dito: tantos homens, tantas mulheres, tantas crianças. Mas não. Só destacaram as crianças.

O senhor do lado, bem mais de setenta, é acarinhado pelo empregado brasileiro, cheio de samalaleques. O senhor diz qualquer coisa, inaudível. Minutos depois, o empregado traz-lhe um prato com bife e ovo lá em cima. É o que consigo ver, por entre um monte, enorme, de batatas fritas. O senhor do lado come as batatas fritas. Todas. Só depois se atira ao bife, por fim ao ovo. Come depressa. Antes de se levantar, olha para o televisor e diz: coitados. Vai a sair, olha para mim – reparo que tem lágrimas nos olhos – e diz-me: ali… também eu perdi a minha mulher. E sai. Os passos, aos solavancos. Curtos. A custo. Devagarinho. O corpo a abanar.

Lá fora, continuam a cair uns pingos parvos. Pingos sem jeito. Num fim de dia triste. Na A25. E aqui, no coração do senhor da mesa ao lado, ao jantar.

Manuel.