O 1º almoço convívio dos antigos trabalhadores da Fábrica AVILIMA, do Vale de Santarém

Foi no passado 25 de Novembro. Dia de algum sol e de festa no Vale de Santarém, pois realizava-se o 1º convívio dos antigos trabalhadores da fábrica que, nos primeiros anos da década de 1950, viria a marcar um período novo na história da terra. Do Vale de Santarém, mas também de outras terras em redor, como Póvoa da Isenta, Vila Chã de Ourique e até de Pontével, mulheres e homens, de idades diversas, iniciavam ali uma actividade nova nas suas vidas, numa unidade industrial que, também ela, era nova na região e, de certo modo no país, dado o facto de um dos seus produtos – os sapatos à base de guita, com solas de cabedal – ser completa novidade.

Passaram os anos, a fábrica teve o seu apogeu e, no ano de 1986, haveria de encerrar as portas. Pelo meio, muitas realizações, muitas histórias pessoais e de grupo vividas e, depois, anos a fio, recordações a virem à tona, nos corações e nas bocas de quem lá trabalhou, pelo que, como é natural, foi surgindo a ideia, que levava à pergunta: e se fizéssemos um almoço, um convívio? Mas, os anos iam passando e tal não acontecia. Ora, andando eu interessado na história da Fábrica AVILIMA – na qual trabalharam quatro das minhas irmãs – e estando a pesquisar sobre o assunto, em jornais e através de conversas com quem lá trabalhou, fui falando com a minha irmã Maria Inocência, sobretudo, e também com a  Vitorina Rosa, a Manuela Grazina, a Manuela Ferreira e outras e, mais recentemente, calhou estar à conversa com outro grupo que também lá andou. Soltei então a pergunta: já alguma vez fizeram algum encontro? E veio a resposta, imediata, da Fátima Rosa: não, mas ando há anos a pensar nisso, de fazer um almoço, para juntar “o pessoal”. Então, de que está à espera?… que o tempo vai passando, ripostei… e a Fátima, dizendo “agora é que vai ser…” puxou logo para a conversa a Rosa Tomé, que estava ali ao lado – era um dia triste, pelo velório do falecimento de Joaquim Gomes.  

Alguns dias mais tarde, a Fátima disse-me que já estavam a organizar o tal convívio, que já tinha data e local, que andavam a tentar falar às mulheres e homens de quem tinham os nomes, para lhes dar a notícia. Que se calhar não iriam conseguir chegar a todos, pois não teriam alguns nomes, ou os seus contactos. Que, no entanto, haveriam de falar com familiares, mesmo que não tivessem trabalhado lá. Que iam divulgar, o mais que pudessem. Que havia antigos sapateiros de quem nada sabiam, mas que iam tentar encontrá-los. Que estavam a tentar obter obter fotografias daqueles tempos, e que gostariam de as mostrar, projectadas, no almoço, perguntando se eu podia colaborar – claro que sim, eu próprio já tinha algumas fotos, obtidas nas minhas pesquisas. Que além do almoço haveria uma romagem, no cemitério e missa na igreja do Vale, lembrando os que já partiram. Que, durante o almoço, haveria música e baile, e tudo!… Que gostavam de me ver lá… Que iríamos falando. E assim foi.

O tempo foi correndo, rápido. Tendo resolvido “meter mãos à obra”, Fátima Rosa e Rosa Tomé, a que se juntaram Gabriela Catalão e Irene Ramos, certamente com mais ajudas, puseram de pé o primeiro convívio, que terminou no almoço no restaurante Quinzena do Santarém Hotel, no qual estiveram mais de 120 pessoas, a maior parte trabalhadores da Avilima, além de familiares e amigos. Foi, naturalmente, um dia de muita alegria para todos os que passaram anos naquela fábrica, algumas desde o tempo em que ainda eram meninas de treze anos, ou pouco mais, outras já casadas, com filhos, para quem se abriu uma nova fase, uma nova oportunidade na sua vida. Os sapateiros, alguns deles vindos de Pontével, para a fábrica – Jaime Rato, Júlio, José Chagas, José Silvestre; os sapateiros, vindos também de outras zonas, como da região de Torres Novas, de onde era natural João Brogueira, que a partir de certa altura haveria de ser uma figura central na coordenação operacional da fábrica; os sapateiros, onde também havia naturais do Vale de Santarém, como o Bruno; dos sapateiros, estiveram presentes no convívio: Valdemar Sá (do Vale) e Pedro Cordeiro, Frederico e Quim, sobrinho e afilhado de João Brogueira. 

Nos sorrisos, nos abraços, nas lágrimas que as emoções acabaram por fazer saltar, as mulheres e homens da AVILIMA tiveram, enfim, um dia memorável, relacionado com a sua vivência na histórica fábrica, encerrada há 31 anos. Seria difícil falar aqui dos nomes de todos os participantes deste reencontro, que trabalharam naquela fábrica, nem esse é o propósito desta crónica. Destaque-se no entanto a presença de Emília Batista, a Batista, como todos lhe chamam, mulheres e homens. Como já disse em crónica anterior, sendo mais velha, e solteira, era escolhida pelas mais novas como confidente, conselheira, amiga para as horas difíceis, para as conversas e aprendizagens que requeriam alguma reserva. Mas era também fazedora de momentos de convívio alegre, durante o trabalho e nas horas vagas, nomeadamente quando caminhava entre a fábrica e sua casa, uma viagem longa, a pé, todos os dias, pois é natural de Póvoa da Isenta. Não se estranha, pois, que tenha sido a Batista uma das mais saudadas antigas trabalhadoras da AVILIMA onde, disse-me, esteve 27 anos, nos sapatos de guita, enquanto sua irmã, Maria Delfina, esteve 18 anos na mesma área. 

Recordações de muita emoção também, as que foram vividas na visita à pequena, mas muito bem organizada exposição, patente na sala do convívio, onde se podiam admirar vários aspectos e artigos do trabalho da AVILIMA, como os sapatos – de guita e de couro – os chapéus e malas para senhora – revestidas de bunho ou em couro – e até um tear e mostras de trabalhos com ele obtidos, além, ainda, de formas, em madeira, para a confecção dos artigos. Um espaço onde, afinal de contas, se harmonizavam as áreas de trabalho manual e oficinal do operariado especializado – dos sapatos, dos teares e sapateiros – todos contribuindo para o produto final da fábrica. Foi aí que, no meio das memórias, me falaram, várias vezes, da minha irmã Maria Manuel (Nélita) que trabalhou nos teares, e que a morte levou, quando tinha vinte e quatro anos. Eu sabia que ia passar por aquilo… pelas memória e referências à Nélita. De certo modo, ela também também estava ali, naquele dia. Com as colegas, amigas. Comigo. 

Claro que, no meio de muitas conversas, fui encontrando referências a quem teve e lançou a ideia da constituição da AVILIMA – D. Encarnação Lima Monteiro e D. Elisabete (Babete) Avilez, de cujos apelidos nasceu o nome AVILIMA, bem como as referências a outros seus colaboradores mais próximos, entre mulheres e homens. Estes e muitos outros aspectos serão para o trabalho de outra dimensão que encetei, há uns tempos, sobre a AVILIMA, onde se inclui, nomeadamente, o de confirmar se, como já me foi dito, mais recentemente, a designação oficial, inicial, da empresa, terá sido o de ALPARCAS AVILIMA.

Para finalizar, é tempo de dar os parabéns a quem organizou este 1º convívio dos antigos trabalhadores da AVILIMA: teve muitos participantes, foi bem organizado, correu bem, teve alegria, emoção, a memória e a homenagem a quem já partiu, e contou com a boa animação musical de Daniel Matos, da Póvoa da Isenta. Nos momentos que consegui captar, em fotografias e filmagens, de que fiz um vídeo, está bem expresso esse festivo ambiente de convívio, no almoço. É para continuar. É o que desejo e, também já soube, tal vai acontecer, pois a equipa que tomou a empreitada, contando com todas as colaborações que sempre são de agradecer, vai voltar a nova realização em 2018. Assim seja. 

Manuel João Sá

8 Dez 2017

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