Em memória de Maria Ilda, minha amiga.
São quase cinco da tarde
tarde de Verão.
Na curva da estrada
há um nadinha
passou rente ao muro a motorizada
amarela
e nela o diabo
o corpo todo deitado
a cabeça negra
os olhos como os da serpente
a espreitar por cima do guiador
de modo que quem olha
mesmo que de repente
já não vê o que passou
e pergunta
quem foi que voou?…
Foi o Vassale
diz o Carreca
e tudo volta ao normal
carros, camionetas,
poucas carroças, algumas bicicletas
mulheres quase nenhumas
homens dois ou três
rapazes nem por isso.
… Era uma vez
num dia de Verão…
no largo da Fonte
Duma Bica chamada
onde
chegam turistas
vejam bem?!
num Simca Aronde.
Sem pressa
bebem água
a mulher limpa os lábios
vermelhos
com lencinho branco
vestido aos folhos
o homem mete as mãos na pia
depois olha em volta
e acena
p’rá a Mar’Ilda que passa
solta
vestido às riscas azuis
(ou seriam ramagens?
…como vai longe o dia).
Os turistas a quererem saber
(o diabo motorizado volta a rosnar na curva
desta vez em sentido contrário)
Os turistas a quererem saber
se aquela é a estrada
(o diabo motorizado
no seu rosnar tudo abafa
em volta todos com olhos nele
a turista curva-se um pouco
estica a pele
faz avançar a cabeça,
fica à mostra o farto peito
espeta para trás o traseiro)
Os turistas
em francês a quererem saber
se aquela é a estrada certa
(o diabo amarelo
faz ziguezague entre uma carroça e uma bicicleta
esfuma-se desta vez
a caminho da estação
ou até ao xaboco
da Ponte Vale
diz o Carreca
“eu sei lá parra aonde o diabo foi”
rodeia os turistas e diz
“não me perreguntem a mim não”)
E os turistas
de mapa na mão
a quererem saber
o caminho p’rá fronteira…
A Mar’Ilda
Je peux vous dire, etc. etc.
(aproxima-se o Franco
nos grandes sapatos que Deus lhe deu)
A Mar’Ilda
de mapa diante dos olhos
(o Franco aproxima-se mais
agiganta-se e
tão devagar que vai
quase que fica parado ali
a enorme figura de andrajo
por todos conhecido
por fora
por todos desconhecido
por dentro)
Os franceses
(ou seriam belgas?)
olham o mapa
mas não vêem o mapa
só fixam o Franco
a Mar’Ilda
oui, c’est vrai, oui, oui, plus au moins,
oui,
Santarém
ici
oui, etc., etc.
(o Franco
de negro na roupa
de negro no olhar
nas rugas sulcando a pele
cada ruga um profundo vale
negro no rasgão das calças, nos pés, nas unhas
o Franco de negro
por dentro
negro por fora
irradiando negrume em volta
negrume plantado descalço
sobre o negro escaldante do alcatrão
segura na ponta do pau
ao ombro
um ridiculamente minúsculo
molhinho de erva
para quê
ninguém sabe)
Os franceses
(ou seriam belgas?)
oui
très très merci
vous êtes très gentille, etc. etc.
a Mari’Ilda sorri
(o Franco
que um dia me disseram chamar-se Luís
mas não o tal
que era Sol
agora a demorar
a boca na bica
como cavalo sedento
a sorver
lento
com ruído de animal)
E a francesa
(ou seria belga?
a olhar
com cara de vomitar)
A Mar’Ilda
de sandálias
de vestido às riscas azuis
(ou seriam ramagens?)
A Mar’Ilda a sorrir
o corpo a gingar
a acenar
Bon voyage… bon voyage
E os franceses
(ou seriam belgas?)
Os franceses a abalar
Num Simca Aronde
(ou seria numa 4 L?)
E o barbeiro
de janela aberta
(“pouco que fazer
então deixa cá ver
o que vai na rua”)
O barbeiro
como numa moldura
na janela da taberna do Hortelão
a observar
(“isto é que está um calor, hein?!”)
O barbeiro a fumar
a desfrutar
(mãos nos aros da janela)
A desfrutar o quadro
a Mar’Ilda a acenar
os franceses
(ou seriam belgas?)
A abalar
(e o Franco-que-afinal-não-era-Luís
lento
esgalgado
enorme
agora rente à parede
vida negra
em fundo branco
sem mapa
para o seu caminho não se sabe de onde
para onde
silencioso até no caminhar
como silencioso mas visível
o calor a dardejar
até os olhos é preciso semicerrar
para com a vista
o longe alcançar)
Enquanto a Mar’Ilda
vai à loja regressar
o corpo a saltitar
nas sandálias
no vestido às riscas azuis
(ou seria às ramagens?)
O barbeiro a sumir
quando vem o Nuno
a chegar
no seu caminhar
(lento-estilo-girafa
pés enormes
p’ró enorme corpo suportar
rosto redondo comprido)
O Nuno
(tique de piscar os dois olhos ao mesmo tempo
e fungar permanente
a voz cavernosa a sair
do odre ventral
e aquele sorrir
de criança grande
sorrir que ia e vinha
ao ritmo natural
do gaguejar)
O Nuno a sorrir
inclinando-se do alto do seu comprimento
A Mar’Ilda a sorrir
a regressar à loja
(ligeira no andar
como que a saltitar
nas sandálias
no vestido que liberta o corpo
preso pelas alças
folgado no seio
ele próprio
vestido
o corpo a afagar)
O Nuno a sorrir
do alto do seu comprimento
a querer saber sobre os turistas
não se soube se belgas
se franceses
(enquanto à porta da loja
assoma o Lanceiro
e da oficina em frente
sai e volta a entrar
o Latoeiro)
Mas os turistas já passaram da curva do choupo
(local certo p’rá boleia apanhar
e trocos amealhar
pouco a pouco)
E um homem sentado
no marco que diz
Castelo Branco 176 km
(ali plantado
decerto somente para alguém lá estar sentado)
olha o alcatrão a derreter
e as moscas pousadas nas mulas
das carroças que passam
esvoaçam
quando a Zundap volta
de rompante
atroando os ares
(quando o Nuno
lentamente
caminha p’rá bica
e por instantes ali fica)
a Zundap faz tangente entre duas carroças
espantam-se as mulas frente ao Lanceiro
as moscas
aturdidas
refugiam-se na taberna
o Baeta vem à porta no seu andar
sempre devagar
de pernas pequeninas
a arquear
de boné
anafadinho
quando as moscas pousam no balcão
num restinho de capilé
o Baeta dedos enfiados no colete
olha p’rá esquerda
p’rá direita
volta p’ra dentro
pr’a taberna
(que é praça dos homens se há trabalho)
quando as moscas retornam às bestas
a trotar a traquete
e o diabo de Zundap já sumiu há muito
dobrou a curva do Tendeiro num farete
as moscas fazem as bestas tremer a pele
movimentos reflexos
na tentativa
(vã)
de as enxotar
de súbito
e as bestas
inquietas
soltam fedorentos
redondos
esverdeados excrementos
cada qual no seu trajecto
uma frente ao chalé
(por detrás dos vidros coloridos
as estilizadas
manas Cunhas
ficam agoniadas)
A outra besta estaca
quase frente ao Direitinho
onde o calor vai grudar ao alcatrão
a mistura de castanho e verde
que lhe sai das entranhas
em profusão.
E nisto
devagarinho
sai de casa o João
(como o avô Vítor
e também o Franco,
quem havia de dizer)
Vasco
que está em Lisboa
que no Vale está
no Verão
mais do que em qualquer outra estação
(o João
direito, compenetrado
agora apressado
de risco e marrafinha
a caminho da casa do Pedro Cristiano
ali ao lado
p’ra jogar pingue-pongue
com o Manuel João
Carvalho
mas que trabalho
se ele por acaso
o Carvalho
não ganhar
vão andar raquetas e bolas pelo ar)
Então a besta da carroça
(João Padeiro, Direitinho, Manel Serranho já ficaram
para trás)
bem aliviada da abundante carga intestina
frente à casa da Dina
(a Maria João aparece
fugaz
junto ao muro)
Frente à casa da Dina
a besta toma o freio nos dentes
(razão de animal
que cabeça de racional desconhece
mas certamente há-de ser razão fundamental)
O homem toma o chicote nas mãos
levanta-se puxa as rédeas
(calcanhares firmes nos taipais)
Mas a besta é besta demais
não pára
antes parece que voa
a carroça aos solavancos
desencontrados
desconjuntados
escangalhados
desordenados
o homem roda roda roda roda roda
a toda a pressa
o travão
a carroça afrouxa
mas a besta não
e nisto aparece a Dina à janela
(olhos de espanto
perna fina)
Logo vem a tia atrás dela
e lhe toma a dianteira
mais a mana lampeira
(em sabrinas
pé que pisa
mas até parece que não pisa
no chão
está uma labareda no pino do Verão)
E a carroça
de arrastão
faz sulcos no alcatrão
(o Franco, que afinal é João,
em sentido contrário
entre carros
camionetas
carroças
bicicletas
vai cumprindo o seu horário
negro
negro cada vez mais nítido
retrato a negro
projectado no branco das paredes)
E é quando volta o diabo em forma de Zundap
na estrada que vai para a Estação
(a carroça continua a avançar
por arrastão)
e zás!
o Vassalo faz um e mais outro pião
e a derrapar
(agora dir-se-ia “a Zundapar”)
duas vezes seguidas
sem parar
faz 360 graus
e a besta estaca
a carroça empina
o homem voa
e cai de traseiro num molho de paus
que saltara da carga
desgraçada
à beira da estrada
e esbaforida
a deitar ventos pelas narinas escancaradas
a besta solta peidos
em dose descomunal
um despropósito
julga quem ouve
e quem vê
o desplante do animal
enquanto a Zundap se cala
o Vassale
(como diria o Carreca)
roda a manete
mas a manete já nada acelera
oh! afogou-se o motor
num excesso de gasolina e emoções
(diria num ápice
o Eduardo das Bicicletas
para os seus botões
se por acaso ali estivesse)
Enquanto a Maria Adelaide
de férias
sorridente
corte de cabelo sobre a testa
em redondo
sem a bata colorida
do Colégio de Santa Margarida
saía da oficina
só por segundos
não mais
sob o olhar atento dos pais.
São quase seis da tarde
Está um calar danado
E há encontro marcado
Com o Reinaldo e o Zé
(Zézinho, Catitinha,
perna alta
anca p’ra diante
a comandar
o andar
popa quase à Everly Brothers
ou Elvis
ou coisa parecida)
Há um encontro marcado
lá no quintal
do chefe Neves
jogamos às cartas
pela tarde adiante
esfregamo-nos de floid
(do irmão António)
que serve de perfume
de after shave
e desinfectante
ali mesmo a jeito
(fica a memória para sempre
do frasco do rótulo do cheiro)
e o Reinaldo
entre os cabelos do peito
a encontrar borbulhas p’ra tratar
enquanto mantém aquele jeito
da perna direita
(ou seria a esquerda?)
a tremelicar
(tique e entretém
quem sabe se ainda o mantém)
Lá no quintal do chefe Neves
chega o Hélder
peitudo barbudo
a perguntar como vão as coisas
se é canja ou quifimafi
que tem selos para a troca
ou então
vamos a um poker
é p’ra já
vou ganhar tudo
eu seja cão
pá!…
Lá no quintal do chefe Neves
(mas podia ser no do mestre Rafael
com a mãe Luciana a sorrir
e a partilhar
da azáfama do pessoal
ou podia ser no quintal
do João barbeiro
debaixo da amoreira
ali mesmo ao pé do ribeiro)
Lá no quintal do chefe Neves
temos um encontro marcado
é onde se prepara com afinco
a matiné de domingo
(no casal das Catrinas)
É onde se fala das miúdas amigas
presenças prováveis
mas por mais que se conte e reconte
o número é sempre insuficiente
vai daí nem já os discos chegam
o melhor é pedir a toda a gente
há o gira-discos que talvez aguente
apesar da idade
e da tarde quente
(e umas colunas roufenhas
de tão velhas)
o gira-discos roda que roda
nas mãos grandes
do Nuno grande
que sabe da poda
(dali sai música ou sai fumo
é sempre assim
vai passar num frenesim
delirante
do Marino Marini para o Pat Boone
do Paul Anka para os Shadows do Clif
ou para o Chuby Checker
dos Beatles para os Jumpin Jack
da Petula para o Bil Haley ou o Halliday
do Elvis para os Everly Brothers
e até Rita Pavone e Richard Antony caem no prato
e depois tangos de enfiada
a girar na adega
para tudo serenar
e poder sussurrar
ao ouvido de alguém
palavras de sonhar
de súbito a valsa comprida
naquele piso de terra batida
um rodopiar só por graça
mas que não interessa
e o Nuno a rir a rir
põe mais uma remessa
no gira-discos ao pé do lagar
de onde hoje sai música
amanhã mosto
das vinhas das Catrinas
a espumar)
É a pensar em tudo isso
nas sandes de chouriço
nos bolos que alguém fará
e nas gasosas e laranjadas
que vêm a crédito do Manel Sá
É a pensar em tudo isso
que se mete pés ao caminho
p’ra ir convidar as miúdas
a mana Salomé
logo ali
(que caminha como quem salta
e sorri)
é fácil
E perto a Nélita
(sorridente, despachada,
perninha gorda
saiazinha a dar a dar
pequeninas sardas
são uma graça
pelo rosto semeadas
como se fora por mão de pintor
olhar vivo em redor
olhos negros a vibrar
vem à janela uma e outra vez
ao domingo quando menina
a procurar ver quem vai passar
porém agora como é difícil
a ti chegar)
A Nélita e a prima
que num Verão
lá no Vale
cai nos braços do Vassale
(como diria o Carreca)
E as manas padeirinhas
mais a Nela
e o mano Carlos
(que vêm ao Vale de férias
com um sorriso
de encantar
trazem o gira-discos na malinha
e as novidades do saber dançar
do rock ao twist,
nada falta
para ensinar a malta)
E em frente a Anjos
ali vizinha
(sorri e fica coradinha
na sua concha de timidez
porém diz
falem com a minha mãezinha
lembram-se da outra vez?…
e continua a acariciar
a longa trancinha)
vale a protecção da Dina padeirinha
e do Zé Catitinha
para a libertar
do controlo familiar
E mais abaixo as manas Tilinha e Pi
(afogueadas no rosto
cor-de-rosa a brilhar
mais uma que outra
maçãs camoesas
a mostrar a sua cor
no calor
do dançar
quando lento lento lento
meneio leve
insinuante
afinal tudo tão breve
como um raio de luz suave
que passa pela fresta
na tarde tão rápida
o calor tão nítido
dos corpos juvenis a vibrar)
No quintal do chefe Neves
onde as moscas impertinentes
desafiam nossa ira
mais que as cigarras irritantes
(há no entanto silêncio
na rua do Noronha
onde a Maria Helena já não mora
agora
só a fugaz memória
de vê-la caminhar
muito devagar
a demorar-se rentinho
à brancura
cor de leite da parede
o rosto moreno abrigado
na sombra do rendilhado
do beirado
bonequinha de modista
vestido de chita
com chapéu de palha e fita
a olhar para trás
até casa até ao portão
olhos nos olhos lá no recreio
na roda das meninas no jardim da escola
“e aqui vai o lenço aqui fica o lenço”
era quase verão
e houve semente
de para sempre
agora
quem sabe talvez um dia ela volte
ou talvez um dia te encontre
não sei onde…)
Do quintal do chefe Neves
quem sai ao portão
p’rá direita depois da curva
chega à casa da Glória
alta morena cabelo negro
sentada no poial da porta
diz que sim
noite dentro
ali ficamos à conversa
quase frente à fábrica dos sapatos
(as mulheres as raparigas
vêm e regressam
a casa perto ou longe
aldeia abaixo aldeia acima
em grupos ao fim do dia
vão para Cadima
Cabeço do Mesquita
Torre
Rio das Patas
Caminho da Estação
são do Vale
até da Izenta
eu sei lá
sorrisos
cansaços
promessas por dizer
beijo furtivo
numa dança no baile
que na Sociedade vai haver
e amanhã de novo
de novo o desenho no cavalete
os alfinetes
os cordéis
é preciso entrelaçar
e o corpo sobre o molde
o corpo a vibrar
os dedos a sangrar
no regresso a casa
com o sol
com o vento
com o frio
o cieiro
o nevoeiro
a chuva
a dúvida
o salário
o cansaço
e os filhos no regaço
ao fim do dia)
Quase frente à fábrica dos sapatos
vira-se p’rá direita
(no quintal da mercearia
o senhor Benjamim
de óculos pequeninos
redondo baixote
no intervalo de atender a freguesia
sobe ao caixote
dia após dia
às escondidas da Dona Mercedes
p’ra compor figuras
e semear as ruelas ribeiros montes árvores luzes
de uma pequenina aldeia
de encantar
de entretém
lá estão as duas fontes
a igreja
o rio que é ribeiro apenas
e o pombal
tudo mexe tudo gira
nos campo e nas hortas
é mesmo a nossa terra
é mesmo o nosso Vale
até na feira de Santarém
o senhor Benjamim foi apresentar
tal engenho tal ideia
um orgulho da nossa aldeia)
Quase frente à fábrica dos sapatos
vira-se p’rá direita
(e o Casanova
é quase certo
está à boleia
com a sua gabardina creme escuro
chapéu a condizer
faça chuva faça sol
no sovaco o jornal
talvez de ontem
talvez de antes
só não sabemos afinal
se o Casanova sabe ler)
Vira-se à direita
e o Vale
quase acaba logo ali
na tasca da Mulher do António do Padre
onde a luz esparsa
por vezes
projecta nas paredes
figuras de cavadores como fantasmas
e à volta da lâmpada borboletas nocturnas
competem com pirilampos às curvas
acende apaga acende apaga
sobre o rio das Guimárias
rio que afinal é ribeiro apenas
e que outros nomes tem até à nascente
da cabine
da eloia
da praça
dos loureiros
da quinta
de cima
de baixo
do moinho de cima
(do moleiro
que lá viveu
e um dia partiu)
ribeiro que segue para o rio Maior
por Vala mais conhecido
entre nós
desde o tempo de nossos trisavós
É na Vala que nadamos por vezes nus
e nos entretemos
a pescar a comer a dormir a conversar e a fumar
num gramado verde-fresco
junto à agua
que só nós conhecemos
(fumamos Symonarzt
inesquecível cigarro oval
que o Horácio traz da capital
letras douradas a dizer que vem de Alexandria
fumamos outra marca
qualquer que seja
até ao último cigarro
que passa de mão em mão
o que é preciso é que haja
prazer todo o dia)
Mas é junto ao rio da nossa aldeia
(que afinal é ribeiro apenas)
que nos perdemos por prazer nos canaviais
em noites de luar
de convívio de cantar de amuar
de desejar de sonhar
e tudo o mais
até que o perfume penetrante
que sai das carroças carregando uvas
se espalha no ar
fica melaço no alcatrão
e pouco a pouco ao anoitecer
ligeiras brumas se soltam das hortas
e com o fumo das chaminés
mais cedo a fumegar
nuvenzinhas lentamente sobem as encostas
é o fim do Verão a chegar.
Em breve
um a um iremos partir
do nosso Vale
não se sabe quando
não se sabe para onde.
Mas talvez um dia a gente volte
talvez um dia a gente se encontre
para falar do que se foi
e do que se fez
talvez…
Manuel João Sá
Out, 2006